domingo, 9 de setembro de 2007

Nem todo dinheiro compra a paz...

Milão 12/04/1980

"Assim ficas sabendo quanto é ilusória e vã a porfia dos homens que na Fortuna situam a finalidade principal da vida"
Dante Aliguieri - A Divina Comédia


Fazia seis meses desde que "Col Favore Della Notte" (sob a gentileza da noite), minha "casa de diversão" estava aberta, os negócios iam bem!
Estava em dia com o padrinho, que insistia em me chamar de "filho"... meu ódio pelo velho não passara, apenas estava hibernando, esperando a hora certa de apunhala-lo... ele iria sofrer...
Meus pais não gostaram muito do meu "projeto comercial", minha "empresa dos prazeres" não era bem vista mesmo, minha mãe rezava por mim todos os domingos, segundo o padre Magnus, que Deus o tenha a seu lado, caso Ele realmente exista... o padre vinha quase todas as tardes de quarta feira, quando ele deixava as freiras ministrando cursos para as velhas desocupadas, e ele aproveitava pra vir degustar um de meus vinhos, senhor de bom gosto, adorava o Rosso Del Conte, que mesmo nos dias mais quentes, fazíamos questão de degustar juntos.
Padre Magnus foi a única pessoa viva que eu não passei pra trás uma vez sequer, servo direto "Dele", não conseguiria me esconder ou mesmo me vingar caso fosse necessário.
Ele, Magnus, sempre teve a esperança de me ver na igreja, servindo de exemplo para as novas gerações, essas gerações, pobre padre, meus mais fervorosos consumidores... quem não quer quebrar um bar inteiro graças ao efeito de coragem que o bendito "pó" dá?!

- Paolo, estou velho e cansado... não posso crer que irei morrer e ter como lembrança sua um homem, por é o que és hoje, um homem, corrupto, que pisa nos outros para subir na vida...
- Padre, sejamos sinceros... caso Jesus não tivesse sido pisoteado pelos romanos, não tivesse sido traido por Judas, alguém daria algum crédito aquele homem? Por mais que ele fosse mesmo filho de Deus?
- Ele tinha um propósito para seu filho, e Jesus foi até o fim para pregar suas palavras... e tu meu filho? Que queres provar? Que trapaças sobrepujam o esforço e o suor dos trabalhadores?
- Eu trabalho muito, e algumas vezes também transpiro, culpa da Nubia, não gosta do ar condicionado...
- Que Deus abstraia essa sua ultima colocação... filho, tua mãe sofre... ela doa todo o dinheiro que tu tens dado a ela para a igreja... teu pai voltou a beber, parou de trabalhar... garanto que não sabes disso, até onde sei, tua ultima visita a eles foi a cinco meses atrás, quando foi apenas pegar tuas coisas e abandona-los... - por mais que eu respeita-se o padre, ele estava pegando um pouco pesado... se a vida deles estava tão miserável assim, por que demorou tanto tempo para tocar no assunto?
- Tem mais de dois meses que me visitas todas as quartas feiras a tarde, por que só agora me fala essas coisas? - a mudança em sua fisionomia e o ultimo gole no vinho me mostravam uma preocupação além do normal, para um pessoa tão tranquila quanto o padre, ver algumas gotas de suor transparecerem realmente assustou um pouco...
- Teu pai esta para morrer, irei hoje a noite fazer a extremunção, ele pediu tua presença...
Extremunção? pai morrendo? Mas que PORRA é essa?
- A quanto tempo sabe disso padre? -acho que o soco na mesa o espantou um pouco... pela primeira vez eu esta botando medo em alguém, logo na ultima pessoa que eu deveria botar...
- Desde hoje cedo... invadiram a casa de teus pais ontem a noite, parece que divida de jogo ou do bar, ainda não se sabe bem... não fizeram nada com tua mãe, mas com teu pai...
- Quem? Quem fez isso??? - apenas uma pessoa ainda usava esse método de cobrança... alguém velho o suficiente pra ainda seguir velhos costumes...
- Faz diferença? Teu pai não vai ver o Sol nascer amanhã pela manhã e tu pensa em vingança? Deixe a justiça divina cuidar disso... agora o momento é de dar apóio a tua mãe e realizar o ultimo desejo de vosso pai!
-Um caralho! - pensei alto o suficiente para o padre ouvir e apenas arregalar os olhos... - como a alma de meu pai irá descansar sabendo que tudo que fiz com ele ainda em vida foi apenas sentar a seu lado e chorar?

Nesse momento, me veio uma corda no pescoço, a sensação de que, nada do que ergui poderia ajudar meu pai... pelo contrário, isto serviu para nos separar, de simples peixinho, passei a ser um tubarão e estava chamando por demais a atenção de todos a minha volta...
De que me adianta ter isso tudo, se no fim, estarei sozinho mesmo? Meu pai morrendo, leva junto minha mãe... velha decrépita, convidei ambos para morar comigo no centro e os unicos mormúrios que ouvia era sobre "a casa do demônio" ou "prostíbulo, onde ele vende sua alma ao demônio todas as noites..."... se tivessem vindo, nada teria acontecido, nada!!!
- Padre... não irei com o senhor, mas prometo estar lá até as 22hs... pelo Deus que o senhor acredita tanto, não deixe minha mãe por perto, nem deixe meu pai ir embora sem que eu chegue lá! Ouviu bem? - minha voz estava rouca, pesada e com um tom de autoridade que nem mesmo meu pai conseguiria dizer não...
- Sim filho...
Alguém iria sangrar muito...
(Continua...)

Um comentário:

Clau disse...
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