domingo, 1 de março de 2009

Escuridão...

Na escuridão, temos os sentidos mais inuteis aguçados a um nivel fora do comum, transformando toda e qualquer experiencia em algo próximo a uma tortura, uma tortura sem fim...
Sei que estou num porão, afinal, porões são como a sala de estar para ratos, baratas e criaturas menos "divulgadas"... sinto cada uma delas passeando por entre meus dedos, subindo por minhas canelas, apreciando o que resta do sangue seco nos joelhos... deixei de sentir dor a mais de duas noites, ou pelo menos creio ter se passado duas noites... a água que bebo fede a mijo, e não duvido que seja isso, tendo em vista que bebo o que escorre pelas frestas do teto... como os restos, restos que nem mesmo os cães devem comer... a fome definitivamente tem um poder incrível sobre nós...
O pouco que consigo enxergar não anima muito, tendo em vista que mal consigo ver um palmo a minha frente... tenho certeza de estar acompanhado de mais dois corpos... não sei se estou sonhando ou algo parecido, mas a cada vez que creio "voltar" dum estado de torpor de sentidos, sinto um cheiro mais forte vindo de meus "companheiros de quarto"...
Ninguem fala nada, escuto ao longe gritos, mas nada continuo, como no caso de tortura ou algo assim... "hoje" mesmo creio não ter escutado mais que alguns barulhos normais de uma casa "normal" - cães latindo, algumas discussões... não sei quando será o fim desse pesadelo, e vejo o quão insignificante sou, tendo em vista que até o momento ninguem parece ter dado falta minha...
A escuridão pode ser muito pior do que imaginamos...

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Inferno....

"E o diabo, que os enganava, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde está a besta e o falso profeta; e de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre." [Apocalipse 20:10]

Já puxei o gatilho algumas vezes, acreditando que enviara o maldito que mecheu comigo para o inferno...acreditava que a falta de respeito para comigo era o mesmo que cuspir na face Dele, do criador deste grande safari que é Milão, Roma, Itália e todo o resto deste grande antro de animais que é este planeta...
Imaginava o inferno do modo que minha mãe dizia que era, um lugar para onde vai os meninos pecadores, que maltratam as irmãs e brigam com os pais, chutam os primos e roubam dinheiro para comprar cerveja escondido e fumar coisas ruins... ela dizia que era um lugar muito quente, mas que não tinha Sol, era rodeado por espinhos, por cães de três cabeças que te arrancavam os pedaços, que lentamente voltavam a crescer, gerando uma dor pior que a da ferida...
Nesse lugar, tudo que se fez em vida era "retribuido" pelos "pequenos chifrudos"...
Esse era o inferno que eu conhecia, descrito por minha mãe no alto dos meus onze anos, depois de ver-me entornando uma garrafa de vinho barato e com um canivete sujo de sangue numa das mãos, junto de uma carteira que não era minha... ela fez um escandalo, mas como estava com meu primo - Luigi "Bolacha" - ela acabou maneirando, apenas me puxando para casa pela orelha, enquanto gritava com "Bolacha" dizendo que ele deveria rezar a mudar de vida... (mal sabe ela que eu que o punha nesta vida...)
Quando mais velho, visitava o padre Pedro, um velho praticamente careca, adorado pelas senhoras do bairro, sempre muito gentil... ele me contou que o inferno era o que podiamos imaginar de pior, mas que por mais que imaginassemos, jamais seria a imagem verdadeira... ele acreditava que o inferno nada mais era que uma "lenda", já que todos podemos alcançar a redenção, as graças divinas, o perdão Dele... sempre fiz questão de ajudar o padre Pedro como podia... fosse dando uma grana aos domingos ou "limpando" as ruas próximas a igreja...
Tento pensar que o inferno não é nada do que me foi dito... seria algo muito ruim pensar nisso tudo... por que, aparentemente, é bem próximo dele que estou agora...

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Matar ou Morrer (pt. 03 de 03)

Um soco... um golpe rápido, desferido pelo braço, tendo como ponto de impacto o punho, normalmente fechado...
Máfiosos que brigam muito tendem a usar soqueiras, o que agrava um pouco mais o local de "pouso" do punho...
Não queria, não queria mesmo machucar meu primo... mas não deixou-me escolha...
O nariz provávelmente nunca mais será o mesmo, se é que vai voltar a ser usado... tamanha minha fúria, não dosei a força, e mesmo que fosse muito franzino, o impulso que dei para voar diretamente no nariz de Carlo definitivamente faria o mesmo estrago que
Rocky Marciano no auge da carreira...
Junto ao meu soco, foi todo meu peso para cima de Carlo, que mesmo sendo algo próximo a um gorila, caiu e bateu a cabeça de forma muito forte no chão, criando um "ovo" na parte de trás da cabeça... quando achei que continuaria no meu frenesi, sinto a força do couro italiano vindo diretamente na boca do meu estomago, um chute digno de
Bruno Conti ... o mal estar causado pela força do chute me faz encolher-me, como uma criança com medo, torcendo para que acabe logo esse tormento... a ultima coisa que sinto é o que acredito ser uma coronhada na nuca... apago....

Ópera... mente quem diz que todo italiano gosta de ópera... ou mesmo musica clássica... lembro de meu pai ouvir esse tipo de musica quando tinha momentos mais intimos com minha mãe... ou quando estava zangado demais por que o Giuseppe Chiappella escalava mal o
"Societa Sportiva Calcio Napoli" ...

"Volto a vida" ouvindo ópera, e se todo meu desgosto com a musica já não fosse o bastante, a gravação péssima de um
Luigi Denza definitivamente não ajuda a passar a sensação de ansia causada pelo chute no estomago... incrivelmente a dor na cabeça não era maior que a da boca do estomago...
Volto os olhos por todo o cubiculo em que estou "jogado", e nada vejo alem de pequenos filetes de luz vindos do teto... acredito estar no porão, ou em algo parecido com tal, já que o cheiro putrito das madeiras que do teto até o chão (pelo menos, até onde consigo enxergar) fazem deste cubiculo minha "gaiola" é algo realmente muito próximo ao cheiro de cadáver...

Pela primeira vez creio arrepender-me de ter feito algo sem pensar, sem medir as consequencias... "arrancar a cabeça dele e andar com ela na cintura..." por mil demonios... antes tivesse dado um tiro em minha própria cabeça...

Matar ou morrer, as vezes, realmente, não temos opção, e nesse caso, se realmente tivesse como escolher, definitivamente não sei qual a opção seria a menos pior...


(Fim da parte 03...)

Fim do primeiro capitulo

sábado, 22 de setembro de 2007

Matar ou Morrer (pt. 2 de 3)

Milão 12/04/1980

A parada brusca do carro me joga contra o banco da frente (posso estar vestido como a rale, mas mesmo assim, ando no banco de trás...), o que faz meu nariz sangrar um pouco devido a força da batida... se Vivian já estive-se carregada, poderia ter acontecido um acidente muito pior...
-Paolo, tu enlouqueceu? - para minha surpresa, Carlo tira o cinto e sai do carro, estamos parados a duas quadras da casa do velho Fillipo, é arriscado eu sair caminhando com a Vivan... na realidade, é arriscado eu ir com ela para onde pretendo ir...
-Carlo, volta pro carro agora ou te surro! - tentei ser o mais convincente possível, mas nem mesmo com uma arma apontada para cabeça faria aquela mula voltar para o carro...
-Paolo, sai do carro e vamos conversar... - devo admitir que estava um pouco temeroso...
-Conversamos aqui dentro Carlo, entra AGORA!
-Primo... sai do carro, sem a Vivian... e deixa teus outros "badulaques" ae dentro também...
Quem esse porra tava pensando que era? Me dando ordens? "BADULAQUES"?
-Carlo, tu é meu primo e temos respeito um pelo outro... se eu sair, vou ter que te esmurrar...
Nisso, minha porta se abre, sem que eu percebe-se... dois macacos do Fillipo...
-Primo, deixa a Vivian e sai sem discutir... - ele diz isso indo em busca da 9mm. guardada na cintura...
Traido por minha própria familia?

Matar ou morrer (pt. 1 de 3)

Milão 12/04/1980

"Agora, desçamos ao mundo das trevas"
Dante Alighieri - A Divina Comédia

Não penso duas vezes, assim que o velho Magnus deixa meu escritório, ligo para Carlo, meu primo mais velho e segurança nas horas vagas:
-Traz a "Vivian" (era como chamávamos a escopeta calibre 12) e o carro, vem sozinho e sem perguntas
-Só a Vivian?
-Se ele ficar de pé depois do beijo da Vivan, me considere um cara morto...
Desligo o telefone, tiro meu Armani e boto o agasalho velho da Adidas, dos tempos de batedor de carteira, dos tempos em que eu não era ninguém, dos tempos em que "fazer a garganta" de alguém era corriqueiro e muito necessário...
Eu tinha que me lembrar do quanto eu achava divertido ver um cara sangrar até a morte, as preces que fazia pedindo a Deus que não aceita-se o condenado no céu, nunca matei um inocente, apenas malditos que me deviam, viciados, estupradores que compravam cocaína para ficar de pé a noite inteira esperando sua próxima vitima... na realidade, eu estava limpando a cidade!
Menos de trinta minutos depois, me olho no espelho e vejo um garoto, diferente do homem de negócios, com ternos caros, eu estava um maltrapilho, a roupa ainda cheirava mal da ultima noite que a usei, devia ter uns seis meses que não usava isso... ainda tinha uma mancha de sangue.. me pergunto de quem era...
Carlo chega, me vê e apenas pergunta se deve ligar pra minha mãe... não comentei nada, apenas pedi para me levar a casa de Fillipo...
-Paolo... não vai fazer o que to pensando?
-Desde quando tu pensa?
-Paolo, tu é meu irmão praticamente, e eu sou mais velho... por favor cara, que que houve pra tu pensar em suicídio? Entrar lá assim, com uma Vivan embaixo do braço? "Bom dia Fillipo, vim te matar!", ta maluco???
-Apenas dirige até lá, cai fora pra casa da minha mãe... se até as 22hs eu não voltar, assume as broncas com a "Della Notte".
-Mas... -meu soco no nariz dele tem o poder de calar ele... ele é grande, mas sabe o que pirado sou eu...
Carlo dirige com apenas uma mão, a outra fica com um pano para tentar estancar o sangramento do nariz.. não queria machucar tanto assim, mas ele só para quando vê o próprio sangue em suas mãos...
No caminho até a casa de Fillipo, penso em tudo que me aconteceu nos últimos meses, vejo uns garotos batendo uma carteira e dou risada... o velho gordo jamais vai conseguir pegar eles...
Vejo garotas novas com calças enfiadas e penso que daqui uns dois ou três anos, se ainda não tiverem contraido a tal da AIDS, podem vir a trabalhar pra mim...
Penso que a uns meses atrás, eu morava no porão da casa dos meus pais, era fedido e quente, eu suava feito porco perto da morte e algumas vezes, realmente desejava isso...
Hoje, tenho praticamente uma cobertura para mim, muitas vezes eu tenho de usar casacos para ficar lá em cima fumando, falando para mim mesmo ou para Nubia que um dia, ainda terei em caixa o mesmo valor de estrelas que tem no céu...
Estou caminhando para a morte de braços abertos, por alguém que nem vale tanto a pena assim (já mencionei o quanto apanhei de meu pai bêbado?)...
Mas a tal "honra" na realidade tem servido de combustível para outro plano... uma ótima desculpa... quem teria coragem de se opor a mim depois que eu, um bosta metido a besta, invado a casa do maioral de Milão e lhe dou como último momento em vida um beijo da Vivian?
-Vou arrancar a cabeça dele e andar com ela pendurada na cintura...
-QUE??? Tu ta maluco Paolo????

Continua...



domingo, 9 de setembro de 2007

Nem todo dinheiro compra a paz...

Milão 12/04/1980

"Assim ficas sabendo quanto é ilusória e vã a porfia dos homens que na Fortuna situam a finalidade principal da vida"
Dante Aliguieri - A Divina Comédia


Fazia seis meses desde que "Col Favore Della Notte" (sob a gentileza da noite), minha "casa de diversão" estava aberta, os negócios iam bem!
Estava em dia com o padrinho, que insistia em me chamar de "filho"... meu ódio pelo velho não passara, apenas estava hibernando, esperando a hora certa de apunhala-lo... ele iria sofrer...
Meus pais não gostaram muito do meu "projeto comercial", minha "empresa dos prazeres" não era bem vista mesmo, minha mãe rezava por mim todos os domingos, segundo o padre Magnus, que Deus o tenha a seu lado, caso Ele realmente exista... o padre vinha quase todas as tardes de quarta feira, quando ele deixava as freiras ministrando cursos para as velhas desocupadas, e ele aproveitava pra vir degustar um de meus vinhos, senhor de bom gosto, adorava o Rosso Del Conte, que mesmo nos dias mais quentes, fazíamos questão de degustar juntos.
Padre Magnus foi a única pessoa viva que eu não passei pra trás uma vez sequer, servo direto "Dele", não conseguiria me esconder ou mesmo me vingar caso fosse necessário.
Ele, Magnus, sempre teve a esperança de me ver na igreja, servindo de exemplo para as novas gerações, essas gerações, pobre padre, meus mais fervorosos consumidores... quem não quer quebrar um bar inteiro graças ao efeito de coragem que o bendito "pó" dá?!

- Paolo, estou velho e cansado... não posso crer que irei morrer e ter como lembrança sua um homem, por é o que és hoje, um homem, corrupto, que pisa nos outros para subir na vida...
- Padre, sejamos sinceros... caso Jesus não tivesse sido pisoteado pelos romanos, não tivesse sido traido por Judas, alguém daria algum crédito aquele homem? Por mais que ele fosse mesmo filho de Deus?
- Ele tinha um propósito para seu filho, e Jesus foi até o fim para pregar suas palavras... e tu meu filho? Que queres provar? Que trapaças sobrepujam o esforço e o suor dos trabalhadores?
- Eu trabalho muito, e algumas vezes também transpiro, culpa da Nubia, não gosta do ar condicionado...
- Que Deus abstraia essa sua ultima colocação... filho, tua mãe sofre... ela doa todo o dinheiro que tu tens dado a ela para a igreja... teu pai voltou a beber, parou de trabalhar... garanto que não sabes disso, até onde sei, tua ultima visita a eles foi a cinco meses atrás, quando foi apenas pegar tuas coisas e abandona-los... - por mais que eu respeita-se o padre, ele estava pegando um pouco pesado... se a vida deles estava tão miserável assim, por que demorou tanto tempo para tocar no assunto?
- Tem mais de dois meses que me visitas todas as quartas feiras a tarde, por que só agora me fala essas coisas? - a mudança em sua fisionomia e o ultimo gole no vinho me mostravam uma preocupação além do normal, para um pessoa tão tranquila quanto o padre, ver algumas gotas de suor transparecerem realmente assustou um pouco...
- Teu pai esta para morrer, irei hoje a noite fazer a extremunção, ele pediu tua presença...
Extremunção? pai morrendo? Mas que PORRA é essa?
- A quanto tempo sabe disso padre? -acho que o soco na mesa o espantou um pouco... pela primeira vez eu esta botando medo em alguém, logo na ultima pessoa que eu deveria botar...
- Desde hoje cedo... invadiram a casa de teus pais ontem a noite, parece que divida de jogo ou do bar, ainda não se sabe bem... não fizeram nada com tua mãe, mas com teu pai...
- Quem? Quem fez isso??? - apenas uma pessoa ainda usava esse método de cobrança... alguém velho o suficiente pra ainda seguir velhos costumes...
- Faz diferença? Teu pai não vai ver o Sol nascer amanhã pela manhã e tu pensa em vingança? Deixe a justiça divina cuidar disso... agora o momento é de dar apóio a tua mãe e realizar o ultimo desejo de vosso pai!
-Um caralho! - pensei alto o suficiente para o padre ouvir e apenas arregalar os olhos... - como a alma de meu pai irá descansar sabendo que tudo que fiz com ele ainda em vida foi apenas sentar a seu lado e chorar?

Nesse momento, me veio uma corda no pescoço, a sensação de que, nada do que ergui poderia ajudar meu pai... pelo contrário, isto serviu para nos separar, de simples peixinho, passei a ser um tubarão e estava chamando por demais a atenção de todos a minha volta...
De que me adianta ter isso tudo, se no fim, estarei sozinho mesmo? Meu pai morrendo, leva junto minha mãe... velha decrépita, convidei ambos para morar comigo no centro e os unicos mormúrios que ouvia era sobre "a casa do demônio" ou "prostíbulo, onde ele vende sua alma ao demônio todas as noites..."... se tivessem vindo, nada teria acontecido, nada!!!
- Padre... não irei com o senhor, mas prometo estar lá até as 22hs... pelo Deus que o senhor acredita tanto, não deixe minha mãe por perto, nem deixe meu pai ir embora sem que eu chegue lá! Ouviu bem? - minha voz estava rouca, pesada e com um tom de autoridade que nem mesmo meu pai conseguiria dizer não...
- Sim filho...
Alguém iria sangrar muito...
(Continua...)

Milão

Milão , 09/09/1979

Minha infância foi algo bem diferente... sem todo o glamour de uma familia de mafiosos...
Tive de me virar desde cedo, segundo meu pai, só assim iria ter o respeito e a confiança de minha familia para assumir o comando quando tivesse idade para tal...
Falar de meu pai é sim falar daqueles caras enormes, barbudos e com humor dos mais insanos possíveis... ele era apenas os músculos, a linha de frente para as cobranças que meu tio tinha de fazer dos coitados que pediam empréstimo ou proteção para a familia...
Pois bem, eu sempre fui o menor da turma, ao contrário de meu pai, eu metia medo apenas em mim mesmo ao tentar forçar meus bíceps e ver o quão fraco eu era...
Mas exatamente por ser o menor, eu tinha de tirar vantagem de minha única vantagem em relação ao resto: meu cérebro... apenas Deus e eu sabíamos o quanto eu tinha talento para manipular, extorquir, mentir e armar... isso que eu ainda nem tinha lido "O príncipe" de Makiavel...

Cresci ganhando dinheiro dos otários, pensando em planos de como ser o maior e melhor de meu bairro, posteriormente, como iria tomar o controle da cidade toda, já que Milão é mais uma província perto de Roma, com todas suas luzes e belos monumentos...
Aos quinze anos, eu já tinha tomado conta do tráfico local, seja ele de entorpecentes como de sexo, esta pronto para assumir meu primeiro "prostíbulo" quando, por chamar atenção demais com meus negócios, tive de ser posto de frente com Fillipo, "padrinho" da familia, o manda-chuva, aquele que um dia eu iria apunhalar pelas costas e tomar seu lugar...

- Pois bem Paolo... não me surpreende em nada tua ascensão... herdas-te de tua mãe a inteligência...de teu pai - pensou demais, poderia não ter dito nada, velho decrépito - herdou a coragem de se impor sem nem ao menos pedir permissão... o que podes me dizer sobre tal audácia? - por um momento, procurei o canivete que tinha ganho aos 14 anos numa aposta com um bêbado... mas tinha esquecido na outra jaqueta... velho de sorte... pra que músculos se poderia lhe "fazer a garganta"? Velho como esta, não teria tempo de reação...
- Achei que um simples "comerciante", de infame proporção em relação a vossa senhoria não chamaria tanta atenção. - político, eu? imagina...
- Claro que, quando eu pretende-se por meu negócio mais "a vista", o senhor seria o primeiro a saber... - provavelmente, saberia junto a bala que lhe atravessaria seu pulmão canceroso, "múmia"... menos mal que ele não poderia ler pensamentos, ao menos era o que eu acreditava...
- Pois bem Paolo, começas-te mal teu comércio filho... antes de cogitar tuas traquinagens, deverias ter se reportado a mim... pensou o que seria de nosso bairro, nossa cidade se cada um agi-se por conta própria?
- Como eu disse meu senhor, iria lhe reportar e apresentar minhas idéias e o "dizimo" proporcional assim que tivesse tudo mais "pronto"... - acho que senti sangue em minhas mãos, minhas unhas invadiam minha carne...
- Pois bem, terás de adiantar o dizimo, dos próximos três meses... - ele ouviu o sangue pingar no chão e meu dentes rangendo... ele podia sentir que eu estava a ponto de saltar em sua direção e dilacerar com minhas próprias mãos sua já estragada pele, repuxada pelos mais de setenta anos de existência...
- És muito jovem para perder sua vida pensando em bobagens como tirar a vida de um velho... ainda mais deste velho meu jovem... saia, prove do que é capaz, pague o que me deve... o lugar para seu "clubinho" já esta reservado e em seu nome, a partir de hoje, se apresente como Giovanni, Paolo Giovanni...